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Microbiota e Transtornos Mentais: o que você come influencia na conexão cérebro - intestino

Por Thaís Sabião e Aline Aguiar


    No texto anterior, demos ênfase ao papel da alimentação na depressão destacando a importância do aumento do consumo de alimentos in natura, fontes de diversas vitaminas, minerais e antioxidantes, e a redução do consumo de alimentos industrializados, os ultraprocessados e embutidos, como um fator de proteção para a depressão. A modificação no padrão de consumo alimentar traz impactos positivos para a microbiota intestinal, visto que a dieta é o principal determinante da sua composição.

     A microbiota intestinal é o conjunto de microrganismos que se encontram no nosso trato gastrointestinal incluindo, predominantemente bactérias, mas também vírus, protozoários e fungos e que em condições normais, não nos trazem prejuízos.

    Recentemente, a microbiota têm sido o alvo terapêutico potencial para as doenças mentais e isso se deve a existência de uma comunicação bidirecional entre o cérebro e o trato gastrointestinal. As bactérias que residem no intestino humano desempenham um papel importante nessa comunicação por influenciar nas vias imunológicas, neurais e endócrinas.

    Na microbiota intestinal ocorre a produção direta de vários neurotransmissores, como serotonina (relacionada ao bem-estar), noradrenalina e dopamina.  E também já foi demonstrado que as bactérias intestinais têm um papel fundamental no metabolismo do triptofano que é precursor da serotonina, sendo esta uma molécula chave na sinalização e comunicação intestino-cérebro, destacando sua relação com os transtornos mentais.

    Diferenças na composição da microbiota já foram observadas em pacientes com diferentes transtornos mentais como transtorno bipolar, esquizofrenia, depressão e transtorno do espectro do autismo. Nos pacientes com transtornos depressivos, já foi demonstrado predominância de Bacteroidetes, Proteobacteria, enquanto os níveis de Firmicutes foram significativamente reduzidos. As bactérias do filo (grupo) Bacteroidetes e do filo Firmicutes são as mais predominantes no intestino do adulto e as bactérias do filo Proteobacteria são encontradas em menor número. O desequilíbrio entre essas bactérias na microbiota é denominado disbiose que por consequência afeta o metabolismo do indivíduo, limitando inclusive a biodisponibilidade do triptofano. 

    Diante disso, você acredita que a nossa alimentação possa fazer diferença para a nossa saúde mental?

    As evidências na literatura apontam que sim! Em condições de desequilíbrio na microbiota (disbiose), a adesão às estratégias que aumentem as bactérias benéficas no intestino, como aumento do consumo de alimentos in natura, uso de probióticos e prebióticos, ou a combinação destes, denominada simbióticos, podem ter um grande potencial para melhorar a cognição, humor e o bem-estar mental.

    Com isso, separamos alguns conselhos práticos para melhorar a microbiota intestinal e a saúde mental. São eles:

  •    Uso de probióticos: probióticos são bactérias vivas que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro. Em alguns estudos foi observado o efeito terapêutico dos probióticos dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium especialmente em pessoas com sintomas depressivos e com transtorno bipolar.
  • Consumo de prebióticos: prebióticos são substratos, que funcionam como alimento para bactérias benéficas e favorecem o seu crescimento no intestino. Eles podem ser encontrados naturalmente em alimentos como aspargos, cebola, alho, alho-poró chicória, banana e farelo de aveia.
  • Consumo de produtos lácteos: estudos demonstraram que o consumo destes produtos tendem a prevenir a neurotoxicidade, destacando seus efeitos na cognição e neuroproteção.
  • Aumentar o consumo de fibras: no cólon, as fibras são fermentadas pelas bactérias intestinais, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), sendo eles butirato, propionato e acetato. Esses AGCC são produtos bacterianos que possuem atividade biológica no hospedeiro e por essa razão são denominados pós-bióticos. Na dieta, as fibras podem ser obtidas através do consumo de grãos inteiros, legumes, frutas e alimentos fontes de frutooligossacarídeos (FOS) como bananas, cebolas e aspargos.
  • Embora não existam evidências suficientes, acredita-se que a ingestão de alimentos fermentados, como kombuchá e kefir podem contribuir com a microbiota. Esses alimentos possuem culturas de bactérias vivas (probióticos) e são considerados benéficos para a manutenção de um microbioma saudável. É importante notar que a ausência de consenso sobre o consumo desses alimentos se deve a dificuldade em realizar estudos com alimentos fermentados, visto que há uma grande variação de culturas e ingredientes nessas categorias de alimentos.

         Além disso, enfatizando o post anterior sobre Alimentos e Depressão, existem boas evidências de que uma alimentação saudável rica em alimentos in natura, especialmente a dieta mediterrânea, protege contra a depressão. No entanto, não está claro se isso ocorre pela atuação no microbioma ou por meio de outro mecanismo.

        Não nos restam dúvidas de que a nutrição pode ser considerada adjuvante à terapia medicamentosa e psicoterapia no tratamento das desordens mentais.

 

REFERÊNCIAS

BUTLER, Mary I. et al. The Gut Microbiome and Mental Health: What Should We Tell Our Patients?: Le microbiote Intestinal et la Santé Mentale: que Devrions-Nousdire à nos Patients?. The Canadian Journal of Psychiatry, v. 64, n. 11, p. 747-760, 2019.

BOURASSA, Megan W. et al. Butyrate, neuroepigenetics and the gut microbiome: can a high fiber diet improve brain health?.Neuroscience Letters, v. 625, p. 56-63, 2016.

KIM, Binna et al. A review of fermented foods with beneficial effects on brain and cognitive function. Preventive Nutrition and Food Science, v. 21, n. 4, p. 297, 2016.

CAMFIELD, David A. et al. Dairy constituents and neurocognitive health in ageing. British Journal of Nutrition, v. 106, n. 2, p. 159-174, 2011.

DIMIDI, Eirini et al. Fermented foods: definitions and characteristics, impact on the gut microbiota and effects on gastrointestinal health and disease. Nutrients, v. 11, n. 8, p. 1806, 2019.

O’MAHONY, Siobhain M. et al. Serotonin, tryptophan metabolism and the brain-gut-microbiomeaxis. Behavioural Brain Research, v. 277, p. 32-48, 2015.

JIANG, Haiyin et al. Altered fecal microbiota composition in patients with major depressive disorder. Brain, behavior, andimmunity, v. 48, p. 186-194, 2015.



Comentários

  1. Eu gostei muito do texto, queria saber mais sobre ação da aveia, se ela realmente auxilia na manutenção de uma microbiota saudável e existe formas de poder verificar a qualidade da saúde de nosso intestino?

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    Respostas
    1. Olá Marcos. Boa pergunta! Podemos verificar a qualidade da saúde intestinal através da avaliação do formato das fezes (temos a escala de Bristol para auxiliar), frequência da evacuação, presença de sensação de estufamento, gases, cólicas. Os exames de fezes avaliando a microbiota, disponíveis no Brasil, não nos dizem muita coisa. Avaliações mais específicas são muito caras e precisam ser feitas no exterior. Então, o que vale mesmo e ter uma boa alimentação, porque só pensar em tratar a microbiota com probióticos não adianta nada. O importante é o conjunto da mudança alimentar conforme orientamos no texto. Obrigada pelo comentário!!!

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