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Atualização Guideline 2020-KDOQI:

Uma abordagem Nutricional na DRC

    

Autores: Cosme Santos, Juliana Galantino, Emanuelle Oliveira e Thais Lopes.

Revisão: Henriqueta Vieira Van Keulen e Aline Silva de Aguiar

O texto de hoje será sobre a Atualização do Guideline 2020 das Diretrizes de Prática Clínica KDOQI para Nutrição na Doença, que no decorrer de 20 anos desde a última atualização em 2000, houve diversas alterações necessárias, refletindo o desenvolvimento na atuação para o cuidado nutricional na DRC (Doença Renal Crônica) durante esse período.

Afinal, o que é um Guideline?

Inicialmente, traduzindo o termo para o português, guideline significa diretrizes. Ou seja, um conjunto de recomendações desenvolvidas de forma sistemática, com o objetivo de auxiliar profissionais e pacientes na tomada de decisão em relação à alternativa mais adequada para o cuidado de sua saúde em circunstâncias clínicas específicas.

A publicação dessas diretrizes iniciais, em 2000, representou um importante avanço na área da nefrologia, pois padronizou o sistema de classificação da DRC em diferentes partes dos continentes e também foi o primeiro passo para a promoção da consciência da DRC entre os provedores do cuidado e as agências de saúde, colocando a DRC como um problema de saúde pública mundial.

DCR e Guideline

Atualmente, a DRC tem sido considerada um problema de saúde pública. Análise do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) demonstrou que cerca de 13% da população adulta nos EUA apresenta algum grau de perda de função renal. A Doença Renal Crônica (DRC) é a perda progressiva e irreversível da função de filtração e excreção dos rins. E são várias as causas para que isso aconteça, desde afecções genéticas ou condições clínicas de saúde.

E devido a essa multifatoriedade e complexidade da patologia, o Guideline age como um instrumento padronizado, capaz de capturar as especificidades dos cuidados e serem codificados; melhorar a comunicação entre os profissionais e a população e facilitar a análise em pesquisas e bancos de dados informatizados.

A Diretriz publicada pelo National Kidney Foundation - Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (NKF-KDOQI), publicada em 2000 atribuiu informações aprofundadas acerca dos princípios essenciais no tratamento de pessoas com DRC. Desde então, houve melhorias significativas na forma de compreensão e sobre os cuidados com os pacientes com a doença, principalmente em termos metabólicos e nutricionais. Logo, a atualização de 2020 da Diretriz de Prática Clínica KDOQI para Nutrição na DRC tem como objetivo fornecer mais informações sobre essas questões para a parte clínica em exercício e profissionais da área de saúde. Esta diretriz foi publicada por Ikziler et al, no American Journal of Kidney Disease, vol 76, Iss 3, Suppl 1, September 2020. Clique aqui para ver o pdf do documento

        No Brasil, a Diretriz Clínica para o Cuidado ao Paciente com DRC (publicado em 2014 pelo Ministério da Saúde) recomenda que pessoas com DRC dos estágios 1 ao 3 mantenham o controle de comorbidades, parem de fumar e mudança no estilo de vida. A partir do estágio 4 ao 5 recomenda a presença do atendimento nutricional na equipe multiprofissional. O que pode comprometer o risco nutricional e prognóstico do paciente, devido a recomendar o nutricionista numa fase mais avançada da doença. pdf

O que mudou na Atualização do Guideline 2020?

As recomendações para Pacientes com Doença Renal Crônica e metabolicamente estáveis:

● Calorias: 25 a 35 kcal/kg/dia; Tendo como base o estado nutricional (EN) e doença de base.

● Proteína: 0,55 a 0,60 g ou 0,28 a 0,43 g/kg/dia associado com análogos de cetoácido;

● Potássio: Ajustar a ingestão para manter o conteúdo sérico;

● Cálcio: Ajustar a ingestão - 800 a 1000 mg; para adultos que não tomam análogos ativos da vitamina D;

● Sódio: Menos de 2,3 g/dia; para reduzir a pressão arterial e melhorar o controle de volume e redução da proteinúria.

● Fósforo: Ajustar a ingestão conforme a recomendação;

● Suplementação de folato, vitamina B12 e/ ou complexo B.

As recomendações para Pacientes com Doença Renal Crônica em hemodiálise / Diálise Peritonial:

● Calorias: 25 a 35 kcal/kg/dia; Com base no EN e doença de base.

● Proteínas - 1,0 - 1,2 g/kg/dia; para manter um EN estável e pacientes com DM, avaliar a ingestão para controle glicêmico;

● Potássio: ajustar ingestão; manter dentro da faixa normal; Em caso de hiper ou hipocalemia, avaliar suplementação individualmente;

● Cálcio: ajustar a ingestão; evitar hipercalcemia ou sobrecarga de cálcio;   ● Fósforo: ajustar ingestão, considerando restrição;

● Suplementar folato, vitamina B12 e /ou complexo B com base em sinais e sintomas clínicos.

 

        Guideline não aborda sobre a ingestão de líquidos, mas sabemos que pacientes em hemodiálise, seguindo as Diretrizes do KDOQI de 2000, precisam de restrição da ingesta líquidos para melhor controle do ganho de peso interdialítico (entre os dias sem diálise), sendo a recomendação de 500 mL + a diurese residual.

 

Recomendações Nutricionais para portadores de DRC

            De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a fase não dialítica da DRC compreenderá os estágios 2 a 5 da insuficiência renal, com taxas de filtração glomerular (TFG) entre 90 e 15 mL/min/1, 73 m2. Nesse período, é indicada a redução da ingestão de proteínas, sódio e potássio.

Carnes em geral, embutidos, leite e ovos são ricos em proteína e fósforo, assim como feijão, soja, e grão de bico. No entanto, os vegetais não devem ser eliminados totalmente da dieta, já que podem comprometer a nutrição para outras funções essenciais. O excesso de proteínas aumenta a produção de uréia e mobiliza a hiperfiltração renal para a sua excreção, por isso a necessidade da sua restrição no tratamento conservador, associada também ao ajuste do consumo de fósforo. Isso é prejudicial para os pacientes com diminuição da função renal, uma vez que os rins precisam aumentar a filtração glomerular para promover a excreção das escórias nitrogenadas. 

Grupos de pesquisa no Brasil e no mundo, com destaque ao Grupo de Pesquisa em Nutrição Renal, coordenado pela profa Denise Mafra da Universidade Federal Fluminense, vem estudando o consumo de alimentos com compostos bioativos por pessoas com DRC (tratamento conservador e hemodiálise) e sua ação na diminuição da expressão NF-kapaB, diminuindo a produção de citocinas pró-inflamatórias influenciando a cascata da inflamação. Estes estudos são feitos com cúrcuma, vegetais crucíferos, alho, chocolate amargo e castanha do Brasil, por exemplo.

          Para retardar a progressão da doença, contribuir para melhor normalidade do meio interno do paciente e retardar a entrada em diálise, o nutricionista é um profissional fundamental. Ele irá orientar a dieta e ingestão correta de nutrientes evitando acúmulo no sangue de metabólitos que vão intensificar sintomas da acidose metabólica, uremia, hiperpotassemia ou hiperfosfatemia.

Como deve ser o tratamento?

A perda progressiva de todas as funções do rim acarreta a insuficiência renal. O quadro é decorrente de lesão renal, glomerular, tubular e endócrina. A abordagem terapêutica depende do estágio da doença, que se divide em seis etapas. Na fase não dialítica um dos principais problemas é a desnutrição, que ocorre devido à falta de orientação nutricional quanto à dieta restritiva.

O tratamento ideal da DRC é baseado em três pilares de apoio: 1) diagnóstico precoce da doença, 2) encaminhamento imediato para tratamento nefrológico e 3) implementação de medidas para preservar a função renal;

         As pessoas com DRC devem ser acompanhadas e orientadas por uma equipe multidisciplinar, com aconselhamento e suporte sobre mudança no estilo de vida; avaliação nutricional; seguimento contínuo dos medicamentos prescritos; programa de educação sobre DRC e TRS; orientações sobre as modalidades de tratamento da DRC, entre outros. O ideal seria que este profissional já atuasse a partir do diagnóstico da DRC e mais precocemente possível, promovendo Educação Alimentar e Nutricional  com base nas recomendações descritas quantitativas do Guideline, porém mais flexíveis, sem esquecer o incentivo a alimentação saudável, priorizando alimentos in natura, seguindo o Novo Guia Alimentar para População Brasileira (2014) pdf , com orientações sobre o consumo de alimentos ultraprocessados que são ricos em sódio e fósforo, inadequados para pessoas com DRC. 

         Como vimos, o nutricionista o orientará para algumas mudanças na sua alimentação priorizando evitar rápida progressão da perda da função renal, manter equilíbrio do potássio e fósforo sanguíneos, manter pressão arterial e perfil glicêmicos adequados. O cuidado nutricional será complexo, com algumas metas a atingir, sendo necessária a adesão individual e familiar para que a pessoa com doença renal não se sinta excluída e ainda mais triste com tantas mudanças que acontecerão a partir do diagnóstico. A ideia inicial é que haverá muitas restrições, retirada de diversos alimentos, mas com atenção e interação multiprofissional e vínculo profissional-paciente, esse momento será gradativo e acolhedor. 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes clínicas para o cuidado ao paciente com doença renal crônica-DRC no Sistema Único de Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, v. 1, p. 1-37, 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira: promovendo a alimentação saudável. Normas e Manuais Técnicos: Brasília, 2014. 

COSTA, Márcio Henrique Sá Netto et al. Diretrizes clínicas para o cuidado ao paciente renal crônica (DRC) no sistema único de saúde. 2014.

IKIZLER et al. KDOQI Clinical Practice Guideline for Nutrition in CKD: 2020 Update. American Journal of Kidney Disease, vol 76, Iss 3, Suppl 1, September 2020.

MOSS,  A. H. Revised dialysis clinical practice guideline promotes more informed decision-making. Clinical Journal American Society of Nephrology. 2010 Dec;5(12):2380-3.

PATEL, T. V; SINGH, A. K. Diretrizes de iniciativas de qualidade de resultados de doenças renais para metabolismo ósseo e mineral: questões emergentes. In: Seminários em nefrologia. WB Saunders, 2009. p. 105-112.

SHOEMARK, Amelia et al. International consensus guideline for reporting transmission electron microscopy results in the diagnosis of primary ciliary dyskinesia (BEAT PCD TEM Criteria). European Respiratory Journal, v. 55, n. 4, 2020.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA et al. Sociedade Brasileira de Nefrologia-SBN. 2006. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lis-12653?src=similardocs. Acesso em: 29 de julho de 2021.

ZAMBELLI,C.M. et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente com Doença Renal. BRASPEN JOURNAL, São Paulo, v.36, n. 2, 2021. Disponível em: 66b28c_ac9a31203e394cd28ff67cca9edb79e8.pdf (filesusr.com). Acesso em: 29 de junho de 2021.







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