Por que comemos certos grãos?
Jéssica Silva, Anna Karolina Fontenelle, Renato Moreira Nunes e Aline Silva de Aguiar
Este texto está em áudio no podcast Alimente: Nutrição e Ciência
Link para o episódio no podcast Alimente Nutrição e Ciência
Para começarmos a entender sobre o assunto, gostaríamos de saber se em algum momento você já se perguntou desde quando o arroz e o feijão se tornaram os principais alimentos no prato da maior parte dos brasileiros? Você sabe de onde surgiu essa combinação? E por que ela se tornou tão típica do Brasil?
O arroz é um alimento de origem oriental, mas que se tornou comum em todo o mundo, sendo consumido de diferentes jeitos e ocupando um grande espaço de vendas nos mercados e na alimentação das pessoas, o que não é diferente no Brasil.
Nosso país, é rico e possui excelentes solos e clima para plantação de diversos alimentos, a grande extensão territorial que faz com que o Brasil tenha uma diversidade de ecossistemas bastantes característicos e diferenciados, o que contribuiu em parte para a instalação das lavouras e a produção do arroz. Esta é cultivada sob diversos sistemas de plantação e em diversos ecossistemas brasileiros, destacando-se os que possuem solos como várzea e de terras altas comum no cerrado. O Brasil possui grandes rios, bacias hidrográficas e reservatórios de água facilitando a instalação do plantio de arroz. Apesar disso, uma parte do arroz consumido ainda vem de fora por meio de importação.
Se o arroz não possui origem nas américas por que é tão consumido no Brasil? O arroz foi introduzido em nosso país pelos portugueses e outros povos europeus, que já tinham como hábito o consumo deste cereal que se tornou comum na Europa e outros lugares. Assim, quando começaram a colonizar o território brasileiro o hábito de comer arroz também foi trazido e incentivado a vários grupos de pessoas com os anos, incentivando também seu plantio.
Com isso, o cultivo de arroz assumiu uma importância social, econômica e política no Brasil desde os tempos coloniais, onde era utilizado para a subsistência de colonizadores. Devido a esse fator, em 1766, a Coroa Portuguesa autorizou a instalação da primeira descascadora de arroz no Rio de Janeiro, que estava isenta de impostos, a fim de estimular a produção e facilitar o consumo desse grão no território brasileiro. Mais adiante, em 1781, os portugueses proibiram a importação de arroz brasileiro, de modo a proteger sua produção local, que depois foi também introduzido na alimentação do exército, favorecendo seu cultivo em diferentes regiões do Brasil, embora em volumes limitados.
Depois, em 1808, Dom João VI realizou a abertura dos portos brasileiros e o Brasil passou a receber maiores quantidades de arroz, contribuindo para modificar os hábitos alimentares da população da época. Com isso, ao longo dos anos a produção brasileira de arroz foi crescendo para atender as necessidades do público consumidor, de modo a reduzir sua dependência na importação, e o consumo desse grão se instalou como costume alimentar e parte da cultura do país.
Agora e o feijão? Como ele se tornou parte da nossa alimentação? Ele já era consumido pelos povos indígenas que aqui viviam, não só no Brasil, mas em vários outros territórios da América do Sul, sendo nativo do continente americano. O hábito de consumir feijão foi passado e se perpetuou ao longo de várias gerações, tornando-se um dos principais alimentos no prato dos brasileiros.
Ele também uniu-se com hábitos e culturas de outros povos como os africanos, principalmente durante a colonização, dando origem a comidas bastante tradicionais e típicas como o acarajé, a feijoada, o feijão tropeiro, o tutu e o abará.
O feijão se tornou tão comum no Brasil, que além de diversas receitas tradicionais, há uma grande diversidade dessa leguminosa no país, sendo ambas cultivadas e encontradas em todo o Brasil e algumas mais comuns em certas regiões do que outras. Sendo que alguns deles são bastante conhecidos tais como: o feijão carioca, o preto, o vermelho ou roxinho, o branco, o fradinho e o rajado e vários outros, alguns deles recebem outros nomes dependendo da região como é o caso por exemplo do feijão fradinho que também é chamado de feijão de corda e é mais popular e característico do nordeste, tendo uma predominância maior nas receitas e alimentação dessa região.
Assim, tal união cultural compôs o principal prato dos brasileiros no dia a dia. Como esses dois alimentos foram combinados não se sabe de fato, contudo é inegável a preciosidade dessa combinação, que além de rica em nutrientes, traz complementaridade de aminoácidos indispensáveis, visto que o feijão é rico em lisina e o arroz em metionina. Juntos se completam!
Outro fato interessante, é que essa troca cultural não influenciou apenas os costumes e a cultura brasileira. Os europeus também foram influenciados, principalmente os portugueses e espanhóis, que tiveram o contato com o feijão durante a colonização nas américas, o que fez com que essa leguminosa fosse levada para a Europa e passa-se a ser consumida também por lá, não na mesma frequência que no Brasil, mas o suficiente para gerar diversos pratos com o feijão em vários países europeus. Isso também aconteceu com outro grão: o milho, que também é um alimento bastante presente na culinária brasileira.
O milho também já era consumido pelos índios quando os portugueses chegaram por aqui, visto que ele é um cereal comum das Américas Central e do Sul. Esse costume se espalhou por diversas gerações e também vários países, de modo que hoje existem diversos pratos feitos com o milho. No Brasil, é utilizado para produção de farinha, flocos, fubá, além de ser consumido in natura, em conserva e também ser utilizado para a alimentação de alguns animais. O milho dá origem ao cuscuz, a pamonha, ao angu e a polenta, a broa de fubá e o bolo, o curau, a pipoca e a canjica doce e também a salgada, além de vários outros pratos.
Ele é um cereal rico em diversos nutrientes e sem dúvidas representa muito bem nossa cultura alimentar. Ainda, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, sendo que boa parte dele é exportado, mas a outra é distribuída e utilizada pela população. Além disso, vários produtos vindos do milho chegam ao mercado com maior frequência. Faz parte de uma memória alimentar e cultural foi construída ao longo de várias gerações. Quem já não comeu aquele milho verde cozido com sal e manteiga? Ou aquele bolo de milho ou broa de fubá quentinho saindo do forno? Ou ainda aquela pamonha doce ou salgada? Aquele cuscuz no almoço ou até mesmo café? Sem falar nas canjicas ou na pipoca?
O milho é diverso e atende uma variedade enorme de público e receitas, por não produzir o glúten ele é um alimento excelente para atender diversos grupos de pessoas de uma forma ampla e variada, não desligando o ato de comer do afeto e tradição gastronômica. Tradição essa que está presente desde o nordeste ao sul do Brasil, ocupando espaço também em comidas nas festas juninas, as festas de bumba meu boi e muitas outras.
Outro cereal bastante consumido no Brasil e que teve influência estrangeira, principalmente, portuguesa é o trigo. Bastante consumido em todo o mundo e foi introduzido no Brasil, por volta de 1534, no período colonial na Capitania Hereditária de São Vicente, que atualmente é o Estado de São Paulo. No entanto às condições climáticas atrapalharam seu cultivo que então foi levado para o Sul do país, no qual possui um clima e solos em condições mais favoráveis ao desenvolvimento do plantio de trigo e sua colheita. No entanto, o cultivo de trigo no Brasil passou por altos e baixos até ser impulsionado pela chegada dos alemães e italianos no final do século XIX.
Apesar disso, o trigo não deixou de ser consumido no Brasil, pelo contrário ele tornou-se parte dos costumes alimentares brasileiros, sendo ingrediente de várias preparações como pães, bolos, macarrão, pizzas, panquecas e outras massas bastante comuns no dia a dia, além do quibe, saladas, sopas e outras preparações que podem levar o trigo.
Boa parte dessas preparações também foram herdadas de outras culturas e então trazidas e repassadas no Brasil, mas com toda certeza, não há dúvidas do quanto elas se tornaram parte dos costumes alimentares da população brasileira. Por exemplo, o pão francês que foi trazido ao Brasil como inspiração da elite na culinária francesa e este recebe diversos nomes segundo a região (pão de sal, cacetinho e pão careca). Mas, independente de como ele é chamado, muitos brasileiros o consomem de diversas formas, sendo uma das mais típicas a com manteiga juntamente com uma xícara de café no desjejum pela manhã.
Não restam dúvidas de como nossos hábitos alimentares e o consumo de certos grãos foi e ainda é influenciado por outros povos, mas ainda permanece uma prevalência no consumo de arroz, feijão, milho e trigo entre os brasileiros, tendo em vista a durabilidade dessas relações e como foram construídas. Contudo, não há dúvidas de como isso também enriqueceu a culinária brasileira criando pratos bastantes nacionais e típicos.
Apesar da chegada e existência de outros cereais e leguminosas no país, a afeição dos brasileiros por pratos feitos com milho, trigo, arroz e feijão e a combinação entre eles sempre será um destaque em mercados, restaurantes e na cozinha de cada brasileiro. Assim, não há dúvidas de que comemos mais esses grãos e por que comemos? pela nossa construção histórico cultural que impactou também nossos hábitos alimentares e a gastronomia nacional, sendo ela um reflexo de diversidade e misturas culturais de indígenas nativos, africanos, europeus e outros povos. Sim, ela é um reflexo de riqueza e transformação.
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