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ASMR e Mukbang: você conhece?

ASMR e Mukbang: já ouviram falar?

Autores: Jéssica Silva, Anna Karolina e Scarlet Herculano - alunas do curso de Nutrição UFJF
Revisão: Aline Silva de Aguiar (Profa Faculdade de Nutrição/ UFF)
Renato Moreira Nunes (Professor Departamento de Nutrição/ UFJF)


- Este texto está em áudio no podcast Alimente: Nutrição e Ciência - https://anchor.fm/alimente/episodes/ASMR-e-MUKBANG-voc-conhece-e1ehftb



       Imagine que você esteja em uma biblioteca silenciosa. Duas pessoas atrás de você começam a sussurrar, outras estão digitando suavemente nos teclados e alguém começa a comer uma maçã silenciosamente. Você olha para cima e vê alguém virar delicadamente as páginas de um livro, riscando cuidadosamente algumas notas com um lápis recém-apontado. 

      Para muitos e talvez até para você, essas podem ser distrações frustrantes e irritantes em um ambiente supostamente “silencioso”. Mas para outros, essas visões e sons desencadeiam um sentimento conhecido como ASMR – uma sensação quente, formigante e agradável que começa no topo da cabeça e se espalha pelo corpo. 


       Afinal, o que é esse fenômeno chamado ASMR? Se trata  da abreviação de Autonomous Sensory Meridian Response e a tradução significa Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano. Eles são estímulos sensoriais que trazem na maior parte dos casos a sensação de relaxamento, que podem ser provocados por estímulos visuais ou sonoros. O  movimento que deixou o ASMR com fama principalmente na internet teve início em 2010 em canais americanos no Youtube e chegou ao Brasil em meados de 2016, a partir daí milhares de canais principalmente no Youtube surgiram e diferentes vídeos são postados e assistidos.


        O ASMR foi comparado à sensação semelhante à da sinestesia, que é um fenômeno neurológico que consiste na produção de duas sensações de natureza diferentes por um único estímulo. Pense em sequências que podem chegar a 60 minutos de pessoas estourando um pedaço de plástico bolha, fazendo uma refeição, falando baixinho ou cortando barras de sabonetes coloridos. 


    Para entender melhor do que se trata é importante entender alguns pontos, como o que é o meridiano que é estimulado pelo ASMR? Os meridianos são canais energéticos do corpo conhecidos como Jing Luo em que Jing quer dizer canal, trajeto ou caminho e Luo quer dizer rede ou transmissão em Rede. Desse modo, a  expressão Jing Luo é um termo genérico que define toda a rede de circuitos dos Meridianos e seus Canais secundários. 


     Esses termos fazem parte e são comuns da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), e são aplicados e utilizados principalmente na acupuntura. Na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) os meridianos representam canais que conectam a superfície do corpo com os órgãos internos, sendo que estes canais têm a função de transportar a energia através de todo o corpo e estimulá-los seria uma forma de promover equilíbrio para a circulação dessa energia produzindo em alguns casos relaxamento que é uma das principais razões das pessoas buscarem o ASMR, visto que algumas pessoas assistem esse conteúdo como uma forma de tranquilizante, principalmente, para mente.


    Os vídeos de ASMR podem ser de tipos variados os mais famosos e favoritos pelo público são: 1º Sussurros (75%), 2º Atenção pessoal (69%), 3º Sons nítidos (bater as unhas em objetos, arranhar, etc.) (64%), 4º Sons vagarosos (53%), 5º Sons repetitivos (36%) 6 º Sorriso (13%), 7º Barulho de avião (3%), 8º Barulho de aspirador de pó (2%) e 9º Risada (2%).


        Mas porque essa procura e busca por ASMR? ASMR é uma sensação universal? Todos podem ter? Existe alguma explicação fisiológica associada a isso? 


        Um estudo da  Universidade de Swansea na Inglaterra demonstrou que 98% das pessoas que participaram do estudo usavam o ASMR para obter relaxamento, enquanto 82% usaram ASMR para ajudá-los a dormir e 70% para lidar com o estresse. Um pequeno número de indivíduos (5%) relatou usar mídia ASMR para estimulação sexual, mas a grande maioria dos participantes (84%) discordaram dessa ideia e forma de uso do ASMR. Este estudo também relatou que de forma geral algumas pessoas terão um ASMR mais facilmente do que outras, mas isso não significa que uma pessoa ao assistir pela primeira vez um vídeo de desse tipo não consiga experimentar essa sensação.


        Ainda recentemente, uma pesquisa de neuroimagem revelou diferenças de nível de traço na atividade cerebral em estado de repouso entre pessoas que experimentam ASMR e aquelas que não experimentam. Ela aponta que os experimentadores de ASMR mostram conectividade funcional reduzida em regiões cerebrais ao longo do tempo, em várias áreas da Rede de Modo Padrão (DMN) que integra os giros angulares, cingulado posterior e córtex pré-frontal.  Mostrando que pessoas que utilizam e experimentam essa técnica por um tempo conseguiram reduzir a conectividade funcional em estado de repouso entre as regiões frontal, sensorial e atencional. 


        Curiosamente, outras pesquisas mostram que o aumento da ativação da Rede de Modo Padrão (DMN), em oposição à conectividade funcional, principalmente no córtex pré-frontal medial anterior, está associado à ativação aumentada produzindo uma resposta emocional forte e complexa a partir de estímulos externos  como ao se observar uma obra de arte. Essa associação entre estímulos sensoriais e resposta emocional intensa pode ser mais forte em indivíduos com ASMR em resposta a certos gatilhos.


        Assim, examinar os efeitos psicológicos e fisiológicos do ASMR é uma questão importante não só pelo reconhecimento e espaço que ele tem tido na mídia, mas por causa do seu uso, visto que cada  vez mais pessoas tem  utilizado esses vídeos para benefício terapêutico, em relação ao sono, estresse, ansiedade e também depressão. 


       Isso está associado também ao que alguns estudos já têm demonstrado que além de auxiliar no relaxamento, alguns indivíduos apresentam melhoras do humor ao assistir vídeos de ASMR em comparação com vídeos normais e pessoas que não acessam esse conteúdo. 


        E sobre o Mukbank? Você já ouviu falar? Sabe do que se trata? O Mukbang é um movimento que surgiu na Coreia do Sul no ano de 2000, se resume em uma apresentação virtual onde uma pessoa se grava comendo uma quantidade exorbitante de comida, esse movimento é acompanhado por milhares de pessoas em todo o mundo. O movimento tem a intenção de levar o público a refletir sobre a comensalidade e o consumo alimentar.


       O movimento tem se tornado mais conhecido através das mídias sociais, como o youtube, onde as pessoas alcançam milhões de visualizações em seus vídeos de Mukbang. A representatividade do movimento tem alcançado esferas cada vez maiores, inclusive, na série distribuída pelo Prime Video, chamada Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, a personagem Margot, é uma influencer digital com descendência asiática e em momentos de estresse, ela faz transmissões em seu perfil nas redes sociais onde come compulsivamente uma grande quantidade de comida.


    O conceito de comensalidade, nada mais é que o ato de compartilhar um alimento ou dividir o momento de refeição com alguém, sendo considerado por Baechler em 1995, como uma prática de sociabilidade. Resumindo, a comensalidade traz união, afeto, respeito entre a sociedade, sendo base para as próprias famílias. A globalização a internet e os meios de tecnologia como smartphones e aplicativos, trouxeram a divulgação instantânea e acessível de informações, quando lembramos de séculos passados, séc XIX, os hábitos alimentares tiveram uma grande mudança, as refeições passaram a ser solitárias e com baixo valor nutricional, limitando assim o momento de compartilhamento e comensalidade ao fim de semana. Dando um boom para o crescimento em grande escala de fast-foods e serviços de alimentação rápidos e práticos.


        Hoje o mercado consegue inserir todos os gostos e culturas, apresentando restaurantes de diversas culturas e costumes. Dentro desse cenário o mundo continua em absoluta mudança e desenvolvimento, e então surge o fetiche da comida. 


        Surge assim o food porn que em português significa, “ comida pornográfica'', o ponto central desse movimento é o compartilhamento de comidas que tenham muitas cores e texturas e que são expostas de forma exagerada, seduzindo assim o olhar das pessoas. E vem influenciando a exposição nas redes sociais de hambúrguer gigante, pizza gigantes e outros diversos alimentos gigantes. 


        E com todo esse movimento, a comensalidade passa a ser, do mesmo modo, virtual, o que classifica o movimento mubank. O interessante é que a junção de duas palavras que nomeia toda a organização, explica o propósito para que foi criado, duas palavras coreanas munk que significa comer, e a bang-song que significa transmitir, resultando na tradução - transmissão do ato de comer.


        Nos dias de hoje o movimento mubank já se espalhou por todo mundo, sendo mais divulgado nas plataformas Youtube e Instagram, e teve só entre os anos 2017 e 2018 um crescimento de 85 milhões para 128 milhões de visualizações só no YouTube. 


        E aí o que você acha sobre esses dois movimentos? já conhecia? achou curioso? Acha que essa pode ser uma nova forma de pensar em alimentação e neurociência? E também de tratar transtornos como ansiedade e depressão? Poderia também estar associado a ferramenta para pessoas com transtornos alimentares, a fim de buscar acolhimento no ato compulsivo ou trazer a sensação de prazer ao ver alguém comer exageradamente incentivando a restrição alimentar de quem possa ter anorexia nervosa? Algo a se pensar e estudar, dentro das novidades que a ampliação da internet e seu acesso vem acontecendo nos últimos anos.



Referências bibliográficas:


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